domingo, 28 de setembro de 2008

[Crônica] Identifique-se - Pt II

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[Continuação] Parte II - A Entrevista

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Um mês se passou e, no meio de tanta novidade, se aproximando do final de semestre, Pedro se enrolou todo nos trabalhos e provas da faculdade. No fim, o estágio que tinha que arrumar acabou ficando em segundo plano e ele só se deu conta disso quando viu na agenda que faltavam três semanas para a entrega da ficha de estágios. Sessenta horas em três semanas! Como ele faria isso?

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Naquela tarde de quinta-feira, Pedro sentou-se ao lado de Ana no jardim da casa da esquina, e ao invés de tintas, rebocos, encanamento ou flores, o assunto foi empresas. Para onde ele iria? Foi aí que ele se lembrou da última opção que havia listado, e era a última justamente porque ele não acreditava ser possível entrar numa empresa daquelas, era simplesmente a mais concorrida entre os estudantes da região.

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Mas Ana não deixou passar, ela logo interrompeu o discurso pessimista de Pedro e comentou do anúncio que havia lido naquela manhã. Ela se levantou e voltou correndo com o jornal na mão. Olha, saiu hoje, a “sua” empresa abriu vaga para um estagiário. Ana não queria que Pedro desanimasse, mas ela decidiu não falar mais nada para que ele não se sentisse pressionado. Mudaram de assunto e passaram o resto do dia sem falar de empresas.

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O final de semana estava quase no fim, chegara o grande momento! A casa de Ana estava finalmente pronta e era hora de comemorar! Pedro trouxe uns amigos e Ana também, foi uma tarde de domingo perfeita! Muita risada e uma casa completamente diferente. Por um instante Pedro retirou-se e, caminhando sozinho dentro da casa da esquina pensou consigo mesmo como pôde ficar tão linda, como uma casa tão sem graça ficou cheia de vida. Pedro lembrou-se do dia em que conheceu Ana, de quão louca ela parecia ser e pensou que, se ela não tivesse sido “louca”, aquela casa continuaria abandonada e sem sentido. Ainda naquela tarde ele tomou uma decisão.

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Segunda-feira, dia normalmente arrastado, mas não para ele. Pedro caminhava na rua, bem vestido e com um vazio na mente. Como de costume, não preparou nenhum discurso. Entrou como que por um impulso naquela porta e pegou uma senha. Ali sentado, sem revistas, sem livros, apenas o currículo em mãos, pela primeira vez Pedro pensou em si mesmo e refletiu sobre o que significava ser.

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Pedro Porter! Era ele, a vez dele, a grande chance. Sentou-se na frente daquela enorme mesa de madeira clara, cheirinho de novo na sala. A mulher atrás da mesa, vestida de preto, fitou-o por cima dos óculos. “Pedro Porter?”, perguntou ela com uma voz segura. “Sim”, ele respondeu também com voz segura. E lá veio a frase assustadora, “fale de você”. Um silêncio pairou na mente dele e tudo ficou em câmera lenta até que, como num estalar de dedos, Pedro começou a falar:

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- Um dia uma amiga me disse algo muito importante sobre uma casa. Ela falou que algo só é realmente interessante quando tem potencial para ser moldado, e para isso é preciso ter defeitos. Aquela casa da qual ela falava estava abandonada há anos. Nesse final de semana comemoramos a reforma dela e ficou perfeita! Eu sou como aquela casa. Não estou abandonado, mas quero ser moldado. Eu vim aqui para oferecer defeitos.

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- Como?

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- Sim, defeitos! E determinação. Porque nesse último mês eu aprendi que aquilo que é construído em conjunto, aquilo que é feito com vontade e persistência se torna muito melhor do que aquilo que parece vir pronto!

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Pela primeira vez Pedro saiu de uma entrevista com mais certezas do que dúvidas e tranqüilo. Ele estava seguro. Aquela não foi uma segunda qualquer.

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Dascha Hoppenstedt

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