quarta-feira, 15 de outubro de 2008

[Blog Action Day] Empobrecendo os Submiseráveis

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Você se lembra do José? Ou será João... Odair? Bem, considerando que ele é um mendigo, o nome não interessa, não é mesmo? Pois bem, ele acaba de se tornar alvo do Google Earth. Isso porque a ONU proporciona que você acompanhe confortavelmente de seu computador os locais do mundo em que se trabalha para erradicar a pobreza. Excelente, não? O site MDG Monitor foi lançado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para que pessoas, empresas e governos trabalhem juntos para acabar com a pobreza global até 2015. Da tela do computador é possível conferir os progressos de cada país, e até mesmo dados específicos de saúde e educação.

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Finalmente os líderes mundiais se preocuparam com o Silvio e outros bilhões de necessitados (é Silvio o nome dele?). E não pára por aí. O YouTube criou um canal para os usuários postarem vídeos sobre a necessidade de combater a pobreza. Aliado a diversas ONGs, o canal In My Name, levará os melhores vídeos para serem assistidos numa assembléia do ONU. Já pensou todos aqueles engravatados preocupados em alimentar o tal mendigo-sem-nome?

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Como um bom subestagiário você deve concordar que as coisas não funcionam assim, à la Madre Teresa de Caucutá. A começar porque o Banco Mundial divulgou nesta semana que o número de pessoas abaixo da linha da pobreza aumentou em 400 milhões! São 1,4 bilhão de miseráveis vivendo com menos de US$ 1,25 ao dia. Sem falar na crise econômica mundial. Nosso ministro da Fazenda disse que a prioridade agora é erradicar a pobreza e proteger os miseráveis. Como? Mantega acredita nas redes sociais. Igual o Bolsa Família, sabe? Dinheiro fácil na mão do povo.

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O que? Você também é contra o dinheiro fácil? Mas como publicitário você não enxerga o Seu Renato (cansei, esse vai ser o nome dele) como um “consumidor em expansão” se ele tiver uns trocados no bolso? Espero que não, mas é assim que a maioria pensa. O coitado se torna um alvo em cheio para algum produto que o mercado anuncia. Os operários da roda capitalista vão logo facilitando o pagamento ou arranjando crédito para que ele decida pelo produto. Poucos são os que pensam na dívida e bolso magro do Seu Renato antes de produzir aquele anúncio vomitando lavagem cerebral pirotécnica.

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Os pobres não podem atender a anúncios que apelem à tamanha extravagância. Será um desserviço induzi-los a comprar para que se afoguem em dívidas pelos próximos 24 meses do carnê. Muitos não conseguirão empréstimo porque sequer tem título de propriedade legal do terreno onde vive, e não pode oferecer a casa como garantia.

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Louvável foi a iniciativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), “construir oportunidades para a maioria”. “Acho que é hora de adotar um novo enfoque: menos macroeconomia e mais microeconomia. Precisamos atacar diretamente os obstáculos que impedem que as pessoas de baixa renda de nossa região melhorem seu padrão de vida”, discursou o presidente Luis Alberto Moreno. Muito bonito, até despencar em pecado: o BID desenvolveu uma ferramenta de internet para compreender o potencial econômico da população de baixa renda da América Latina. A estimativa é que estes representam um mercado de US$ 510 bilhões traduzido em poder de compra.

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De que adianta querer erradicar a miséria somente para conquistar um novo mercado? Contabilizar os pobres pelo seu poder de compra... Se Karl Marx estivesse vivo estaria numa ambulância. Para completar, o nome da ferramenta é “Mapa da Maioria”. Maioria? Embora nenhum de nós lembre exatamente, o Seu Renato tem nome e sobrenome. Tecnologias digitais que unam as pessoas globalmente pouco irão solucionar a pobreza de forma definitiva. Erradicar a miséria apenas para criar um novo mercado consumidor é desvantagem para ambas as partes.

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Seguindo o caminho contrário, o governo usa a propaganda para impedir a população de dar esmolas. Toda a caridade deve ir para as redes sociais, ONGs e órgãos públicos, eles sim se encarregam de nutrir os miseráveis. Até mesmo a classe média cruza os braços e espera para dar 5 reais ao Criança Esperança direto do telefone. Nada de proximidade, mantenha-os na calçada, eu estou bem na minha poltrona, obrigada. Qual é mesmo o nome do Seu Renato?

Cristiane Lüscher

Cristiane Lüscher é estudante de Jornalismo, mas ainda não sabe o que fazer com tantas (tantas?) opções: TV, online ou diagramação. Enquanto isso trabalha na ABJ como chefe de reportagem e editora-especial do Canal da Imprensa. Coleciona filmes esquisitos para inspirar sua incansável caça por outros estágios.

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